sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Sobre a Trupe...

Riscos, traços e listras entre linhas...

A DUPLA.DE.RISCO, foi idealizada em 2007 depois de uma oficina de Clown no Teatro Universitário/UFMG. E em 2008, estreiamos oficialmente os trabalhos. A DUPLA é formada por Bella Marcatti (Palhaça Mirabella) e Rafael Protzner (Palhaço Alfinete).



Mas porque Dupla de Risco?

Qualquer arte prevê riscos, incertezas, conflitos. No teatro e, principalmente na arte do palhaço, existe um compromisso e nenhuma apresentação é igual à outra. Um mesmo gesto é ensaiado e repetido exaustivamente, mas repetimos para não repetir. Há uma troca inexplicável no encontro entre espetáculo e platéia, entre ator e seu interlocutor, criando uma atmosfera envolvente de alegria, vínculo e arrebatamento. É precisamente nesse encontro, rápido e sem volta: como um "salto mortal", que se instaura o RISCO, o que distingue o teatro de todas as outras linguagens artísticas. O aqui e o agora! O universo no qual a DUPLA faz parte, onde tudo é possível. Desde então, a DUPLA realiza apresentações teatrais/palhaço em espaços não convencionais, visando democratizar e difundir a arte para as diferentes classes sociais. Nesses espaços, que não foram estruturados para este tipo de atividade, uma outra relação ator-espectador se estabelece. Verifica-se que barreiras que impedem o acesso da população à arte, dentre outras, a dificuldade de deslocamento e a ausência de recursos financeiros, são quebradas, pois o lúdico vai até o público e não o caminho inverso.

O
trabalho da DUPLA é acreditar na magia e capacidade que o nariz vermelho (nosso código) possui de levar o riso em sua mais simples manifestação, de maneira respeitosa e sutil. A DUPLA ainda participa de encontros livres de palhaços e espaço para discussão da arte do clown/palhaço junto a outros grupos e artistas.

Resumindo, esse trabalho nada mais é do que a união de Alfinete e Mirabella para, exclusivamente, falar besteira, brincar de poder "ser" e ativar o estado da bobagem.

Portanto... sejamos bobos, sejamos clowns...

Ser clown, ser palhaço, significa mostrar as fraquezas pessoais (as pernas finas, a orelha grande, os braços pequenos) e enfatizá-las, amplia-las sem compromisso ou pré conceitos, usando roupas diferentes daquelas que usualmente ocultamos. O palhaço põe em desordem uma certa ordem e permite assim denunciar a ordem vigente. Ele erra e acerta onde não esperamos, pois para o palhaço não existe o erro, e sim um acontecimento. Ele Toma tudo ao pé-da-letra no sentido primário e imediato: quando a noite cai (bum!), ele a procura no chão e nós rimos de seu lado idiota, bobo e ingênuo.

Você é branco ou augusto?


Você é branco ou augusto?
Escrito por Gabriel Perissé


Os clowns, personagens antigos do teatro e do circo, são caricaturas vivas do ser humano. Há diferentes tipos de clowns. Uma distinção clássica refere-se a dois tipos: o branco e o augusto. O clown augusto é o palhaço coadjuvante. É o bobão, o ingênuo, manipulado pelo clown branco, que encarna o “chefe”, o sabe-tudo.

Mas o clown branco acaba demonstrando seu lado fraco, o ridículo que habita em todos nós. E de repente o augusto surpreende, mostra-se genial, essa genialidade que também em todos nós se encontra adormecida. O clown representa a ordem rígida, o dever, e é de se destacar a coincidência de “branco” ter sido, no século XIX brasileiro, o tratamento de submissão que o sinhô recebia dos negros escravos. Subitamente, porém, nasce um Pelé.

Essa dupla, branco e augusto, pode ajudar a entender as relações sociais, e que papel cada um representa nesse cotidiano mais cotidiano, ao qual os artistas têm às vezes mais acesso do que os cientistas, assumindo os cientistas o papel de brancos, e o de augustos os artistas...

Fellini gostava de usar essa chave de interpretação. Para ele, Hitler era um clown branco. Mussolini, um augusto. Papa Pio XII, um branco. Papa João XXIII, um augusto. Freud, um branco. Jung, um augusto. O augusto é sonho, não é sério, arrisca, leva um tombo. O branco não brinca em serviço, cobra resultados, impera.

FHC é branco, Lula é augusto. O recém-falecido Enéas Ferreira Carneiro, o Dr. Enéas, era augusto (fazendo pose de branco). Paulo Maluf é branco, Jânio Quadros, augusto. Papa Bento XVI é branco, João Paulo II estava mais para augusto. Darcy Ribeiro era augusto, Antonio Candido é branco. Gilberto Freyre era augusto, José Guilherme Merquior era branco.

Vencemos o perigo do simplismo, se observarmos que há um branco escondido no augusto, e um augusto espreitando dentro do branco.

Em virtude de um desses movimentos curiosos da psiquê humana, é comum um branco virar augusto na presença de um branco mais branco — é o puxa-saco. E um augusto virar um branco chefete na presença de um augusto mais augusto. O subchefe é branco, chicoteando o augusto subalterno, mas se torna augusto quando vê o seu superior chegar.

Olho ao redor. Descubro brancos e augustos. E olhando para mim mesmo vejo, brigando e abraçados, um augusto e um branco.



Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Web Site: http://www.perisse.com.br