sexta-feira, 18 de julho de 2008

Clowns ou palhaços?

Clowns ou palhaços?
Silvana da Costa Alves

"O nariz do palhaço é a menor máscara do mundo, a que menos esconde e a que mais revela."


Todo mundo já se emocionou diante de um clown, mesmo sem saber. Clown não é simplesmente um personagem ou um estilo teatral, uma linguagem. Clown é um estado de espírito. Muitas pessoas são verdadeiros clowns em seu cotidiano sem percebê-lo. O clown é puro, ingênuo e, por isso, muitas vezes engraçado, o que nos leva – vez ou outra - a confundi-lo com outros palhaços. Ao pé-da-letra a tradução do idioma inglês nos diz isso: “rústico, rude, torpe, indicando depois quem com artificiosa torpeza faz o público rir. É o nosso palhaço.”1 Mas é preciso compreender as sutis diferenças entre palhaço e clown. Vários autores diferem quanto a estas sutilezas, porém o público interessado poderá tirar suas próprias conclusões, pois mesmo dentro de uma definição, há variáveis.


Palhaço é aquele que vemos nas ruas, nas feiras. Clown está mais ligado ao palco, à arena do circo. O clown é a sombra, o instinto, parte irracional do homem, o enganado e o enganador. No teatro, quando falamos em clown, lembramos primeiro da menor máscara física que existe: o nariz. A partir do foco que ela nos dá seguimos o olhar muitas vezes ingênuo do clown. Mas ela não é parte indispensável da linguagem, pois, como já foi dito, nem percebemos quando um clown está à nossa frente no trabalho, na família, no teatro. Ele simplesmente nos envolve.


Algumas vezes engraçado, noutras patético. Fazendo rir. Como a família italiana Colombaioni, que saiu do circo e, geração após geração, formou clowns dentro e fora da família. Abandonaram a caracterização ‘esteriotipada’ daqueles que se dizem clowns. E continuaram comovendo. Carlo Colombaioni diz que em muitos lugares tratam o clown como um idiota, mas que é um equívoco, pois ele é uma pessoa mais inteligente que as outras. Também é comum se ouvir falar do ‘clown de fulano’, ciclano dizer que não achou ainda “o seu clown”. Por que o clown é o ator nu, sem subterfúgios, sem ‘máscaras’ preparadas de piadas prontas. Ou seja, achar o clown em si é encontrar o humor sem trapaças, colocar em jogo a si mesmo, sem medo do ridículo, sendo autêntico. Honesto. Verdadeiro. Com vontade e muita concentração. É necessário estar atento o tempo todo e de maneira humilde fazer rir, construindo pontes entre as pessoas. Sem medo de ter perdido tempo. Ora, como fazer isso se não for inteligente? Por todos estes motivos, diz-se que não há maneira de uma escola ensinar verdadeiramente a “técnica de clown”. O que podemos aprender são exercícios que nos ajudem em sua construção, como mímica, acrobacia. Técnicas circenses que nos ensinem a dominar nosso corpo e tê-lo como aliado. Precisão ao manusear objetos, instrumentos, realizar acrobacias.


O erro preciso faz graça! O exercício constante da inteligência e da percepção, aguçando-as ao máximo é condição sine qua non! Alguns aliam a performance física ao texto ingênuo do clown, como Grock, um suíço que fez história se apresentando até para realezas européias, o russo Popov, ganhador do Golden Clown of Monte Carlo, maior prêmio mundial na área, ativo aos quase 80 anos de idade e o também suíço Dimitri.


O cinema e a televisão de várias épocas também já nos trouxeram belos exemplos, como Charles Chaplin com seu “Carlitos”, o próprio Rowan Atkinson com Mr. Bean, Jerry Lewis e “O Gordo e O Magro” (o norte-americano Oliver Hardy e o britânico Stan Laurel respectivamente). Estes últimos, aliás, são o mais famoso exemplo das divisões dentro do clown, entre famosos e pouco conhecidos de diversas épocas. Curiosidade: Laurel (o Magro) foi substituto de Charles Chaplin em 1910, na Cia de Fred Karno, em sua primeira turnê pelo EUA. O Magro era o clown “augusto” e o Gordo o “branco”. Enquanto o ‘augusto’ é ingênuo, puro e obediente, o ‘branco’ nos traz a inteligência, elegância que se propõe de maneira moralista e por isso, nos conduz muitas vezes ao lado negativo de uma questão. O ‘augusto’, então, torna-se o professor, os pais, o belo, o que SE DEVE FAZER. “Essa é a luta entre o orgulhoso culto da razão, onde o estético é proposto de forma despótica, e o instinto, a liberdade do instinto.”2 Há uma singela e bonita seqüência da série, quando onde o Gordo precisa de fogo. O Magro, ingenuamente, estala os dedos e do polegar surge uma chama como num isqueiro. (Quando não sabemos que algo é impossível, podemos alcançá-lo, como o besouro que voa, apesar de os conhecedores de aerodinâmica dizerem que isso é impossível). O Gordo fica abismado e diz que aquilo é impossível, o desafia a fazer de novo e novamente se faz a chama. Ele então explica que é impossível e convence o Magro de que aquilo não existe e este não o faz mais. Mais tarde o Gordo, escondido, fica estalando os dedos na tentativa de realizar a proeza. Aqui percebemos um pouco das características do ‘branco’ em relação ao ‘augusto’. O primeiro procura explorar o ‘augusto’ e de modo geral é malvado com ele. Do ponto de vista humano, poderia se imaginar uma pequena revanche, pois o ‘branco’, muitas vezes, é considerado a escada pra graça do aparentemente simplório clown ‘augusto’.

Augusto – tenho fome.
Branco – tens dinheiro?

Augusto – não.

Branco – então não tens fome.


Fellini foi pródigo em exemplos de um e outro quando preparava seu “CLOWNS” para a televisão em 1970. Uma seqüência imaginada mas nunca rodada era aquela em que as pessoas na rua assumiriam os papéis de “augusto” e “branco” assim como pessoas célebres vistas pelo olhar ‘clownesco’ do diretor naquele momento. Para ele, Picasso era um augusto triunfal. Mussolini e Hitler eram augusto e branco, respectivamente. Freud e Jung, branco e augusto. Cotidianamente, os ‘brancos’ assustam as crianças, pois têm traços duros, sobrancelhas carregadas e competem pelo traje mais luxuoso, retratando a família burguesa, enquanto os ‘augustos’ sequer podem mudar de roupa, retratando mendigos esfarrapados, as crianças dentro da família, os oprimidos.
A mãe que faz o filho mostrar alguma habilidade diante de visitas representa o ‘branco’ se aproveitando do ‘augusto’.
Arrelia e Pimentinha, Piolim, Carequinha. Dificilmente alguém nunca ouviu falar nestes ícones da alegria no Brasil que fazem parte da história do circo no país, mote de várias pesquisas e livros. Nosso cinema e televisão também trouxeram ao público nomes como o Jeca Tatu de Mazzaropi, Grande Otelo, Golias, Os Trapalhões (Dedé, Didi, Mussum e Zacarias - aqui se observa facilmente brancos e augustos). Palhaços e clowns daquelas e desta época lutavam e lutam diariamente, pela manutenção da dignidade de seu ofício assim como muitos grupos e artistas teatrais estudam técnicas, ensaiam, buscam em si o dom inerente do clown: fazer rir. Desconhecida de grande parte do público leigo, nossa história circense e teatral na melhor tradição de palhaços mundo afora, teve gerações de diversas famílias cujos protagonistas levaram diversão e alegria a vários cantos do Brasil.

Hoje, atores e atrizes utilizam o tempo da piada do palhaço na composição de personagens patéticos e até dramáticos no intuito de envolver sua platéia.
Um verdadeiro clown faz rir de si mesmo e não à custa dos outros. Ser clown é uma filosofia de vida pra um artista. “Cada um tem sua pequena filosofia... A minha é não poder conceber meu trabalho senão como um clown honesto e verdadeiro: sua atitude e seu caráter transmitem-se através de sua arte, portanto é interessante tentar mostrar-se humano, gentil, com humor. Minha vida, meu ofício, tudo está no mesmo saco!” 3. A maioria atua até o último sopro de vida, como o catalão Charlie Rivel, que em seus últimos anos, era maquiado por sua filha e fazia rir com gestos lentos, limitados pela idade avançada e o paulista Picolino felizmente bastante festejado e homenageado. Mesmo quando se retira de cena, o palhaço dá uma lição de vida e perseverança e talvez por isso se diga que, dentro das artes cênicas, fazer rir é uma arte à parte.





1. Alfredo Panzini, em seu Diccionario moderno.
2. FELLINI: In "Fellini por Fellini", L&PM Editores Ltda., Porto Alegre, 1974, Tradução de Paulo Hecker Filho.
3. DIMITRI : In "Clowns & Farceurs", Ed. Bordas, Paris, 1982, p. 36-37. Tradução de Roberto Mallet

Para saber mais:
Mundo Clown

O Gordo e o Magro